“Todos os meses temos três, quatro processos para analisar. Continua a haver religiões que querem implantar-se em Portugal. Neste momento, há os islâmicos [que continuam a chegar], que não constituíram até agora outra comunidade [integram-se nas que já existem], não temos pedidos nesse sentido. Há um movimento de ortodoxos também relativamente importante, vindo da Europa oriental, sobretudo da Ucrânia”, disse Vera Jardim, em entrevista à Lusa, lembrando que o fluxo migratório de leste nas décadas anteriores foi intensificado com o estatuto de proteção concedido a milhares de ucranianos, devido à guerra no país invadido pela Rússia há dois anos.

Nos últimos anos, a Comissão tem observado igualmente a chegada a Portugal de muitos grupos brasileiros evangélicos, organizados em pequenos núcleos, com padres que tentam estabelecer igrejas que têm “uma expressão importante” no Brasil.

Das mais de 600 religiões que existem em Portugal atualmente, mais de 400 são evangélicas, organizadas em pequenos grupos de 60 a 70 pessoas, com “autonomia em relação às outras”, indicou Vera Jardim. Religiões com um impacto maior, com milhares de fiéis, serão 12 ou 13, estimou.

“Há um processo de registo, que é feito no registo central de pessoas coletivas religiosas. O registo, na maior parte dos casos, tem dúvidas. Pede o parecer da Comissão, isto está previsto na lei”, explicou.

Segundo o mesmo responsável, a comunidade judaica registou também um crescimento, em consequência da lei dos sefarditas, que permitiu a muitos descendentes de judeus com antepassados em Portugal pedir a nacionalidade portuguesa, no âmbito de um processo de reparação histórica, pela perseguição e expulsão deste povo.

Ainda assim, os judeus em Portugal estão representados em pequenas comunidades, de acordo com o presidente da Comissão, que estima em centenas de pessoas a comunidade de Lisboa, sendo a do Porto mais numerosa.

As grandes religiões, afiançou, estão praticamente todas representadas em Portugal. “Há religiões que são pouco conhecidas, mas que têm alguma importância universal. Os Baha´i, por exemplo, a religião Baha´i, que tem origem no Irão, tem sido muito perseguida no Irão, mas é uma religião importante, que tem expansão mundial. Nasceu no Irão, mas dada a perseguição tem-se deslocado para muitos outros países. Há esse fenómeno da perseguição religiosa”, notou o ex-ministro da Justiça.

Portugal é considerado um porto seguro para as diferentes religiões e comunidades, que há mais de 20 anos têm direitos consagrados na legislação que regulamentou os princípios da não discriminação proclamados na Constituição de 1976.

“Portugal é um exemplo, dada a lei e o bom ambiente que existe, e espero que continue a existir, entre as religiões”, advogou Vera Jardim.

Mas nem sempre foi assim. A própria lei da liberdade religiosa em vigor só surgiu em 2001, fruto de repetidas petições dirigidas à Assembleia da República pelas igrejas minoritárias.

“É evidente que a seguir ao 25 de Abril não se podia falar completamente em falta de liberdade religiosa total, não era esse o panorama. O que havia era um quadro jurídico de direitos e deveres para as religiões que não era compatível sequer com a Constituição democrática, porque não havia o mínimo de igualdade entre as várias religiões”, explicou o jurista, recordando que o próprio Concílio Vaticano II, nos anos 60, havia reconhecido a liberdade religiosa como um valor importante para a organização das sociedades, numa posição encarada como um passo revolucionário na igreja católica.

Portugal vivia entre a abertura da revolução e os velhos valores conservadores.

“Havia uma lei do Marcello Caetano, que se chamava lei da liberdade religiosa, que foi discutida e aprovada pela chamada Ala Liberal, um movimento que elegeu para a Assembleia Nacional na altura uma série de pessoas que lutaram também pela liberdade religiosa, recordo-me do Sá Carneiro, Miller Guerra, etc,”, contou Vera Jardim.

Mesmo sem perseguição, não havia “o mínimo de igualdade para as religiões minoritárias”, referiu.

Logo a seguir à revolução de 25 de Abril, foi alterada a Concordata no que diz respeito ao divórcio de pessoas casadas segundo os ritos da igreja católica, “no sentido de permitir o divórcio às pessoas que eram casadas pela igreja católica”, indicou Vera Jardim.

“Isso era um problema grave em Portugal, havia várias pessoas que tinham casado segundo a lei da igreja católica reconhecida pelo Estado português que não podiam divorciar-se, essa foi uma primeira alteração muito importante, porque havia um movimento geral de contestação a essa situação quando foi do 25 de Abril e já havia alguns princípios, além dos artigos constitucionais com respeito à liberdade religiosa, que proclamam a liberdade religiosa nos seus vários aspetos; a liberdade de consciência, a liberdade de escolha da religião, a liberdade de culto, mas havia apenas a Constituição. Aquele programa constitucional estava por cumprir. Porque não chega o artigo da Constituição, é preciso depois regulá-la, completá-la e foi isso que foi feito com a lei da liberdade religiosa”, explicou.

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