Marcelo Rebelo de Sousa instalou a discussão e a discórdia: na terça-feira à noite, durante um jantar com jornalistas estrangeiros em Portugal, o Presidente da República afirmou que “temos de pagar os custos” do colonialismo. Já havia tocado no assunto em 2023, igualmente por altura da Revolução portuguesa, mas aí sem o destaque que agora teve.

No sábado, e já a política fervilhava, sobretudo à direita — que discordou de Marcelo —, e o Presidente veio aprofundar esta questão da “reparação” colonial, sugerindo que não se metesse “isto debaixo do tapete”, procurando soluções como financiamento, perdão de dívida e cooperação.

Mais: defendeu que Montenegro e o Governo prosseguissem o trabalho do anterior, de levantamento dos bens patrimoniais das ex-colónias em Portugal para devolução posterior.

O Governo, que não foi reagindo desde quarta-feira, reagiu sábado, em comunicado concludente: “Não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de acções específicas com esse propósito”.

Mas lembrou trabalho já feito: “O Estado Português financiou, em Angola, o Museu da Luta de Libertação Nacional; em Cabo Verde, a musealização do campo de concentração do Tarrafal; em Moçambique, a recuperação da rampa dos escravos na Ilha de Moçambique”.

É verdade, sim. Como é verdade que a “cooperação” e “financiamento” que Marcelo Rebelo de Sousa propôs já existem. E são da responsabilidade dos governos anteriores.

Os chamados Programas Estratégicos de Cooperação, por exemplo, em execução, prevêem o pagamento até 2027 de quase 1.200 milhões de euros. Milhões esses para projetos nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e Timor-Leste: 750 milhões para Angola, 170 para Moçambique, 95 para Cabo Verde, 70 milhões para Timor-Leste, 60 para São Tomé e Príncipe e 19 para a Guiné-Bissau.

O valor inclui uma parte em linhas de créditos, mas igualmente projetos em setores prioritários, como a geração de emprego, modernização das infraestrutura e, claro, Educação e Saúde.

Ainda assim, Portugal e os governos portugueses encontram-se atrasados relativamente a outros países da Europa no que respeita à “reparação” do colonialismo. Na linha da frente está, pois, a França e Macron — que desde 2017 introduziu a temática. E a ação.

É ele o primeiro e grande impulsionador do movimento de restituição de objetos de arte e artefactos retirados das antigas colónias francesas.

Precisamente em 2017, recém-eleito e de visita oficial ao Burkina Faso, Emmanuel Macron afirmaria: “Pertenço a uma geração para quem os crimes da nossa colonização europeia são incontestáveis e fazem parte da nossa história. O património africano não pode ficar aprisionado nos nossos museus”. Não ficariam.

Ao antigo reino do Benim (hoje território da Nigéria), por exemplo, a França devolveu 26 objetos que teriam sido levados num contexto (colonial) de violência, pilhagem e dominação. Macron cumpriu e prometeu mais: “Desejo que continue este movimento”.

Continuou, sim. E a França encontrou parceria na Alemanha.

Estes dois países, em janeiro passado, prometam destinar 2,1 milhões de euros para investigar objetos de antigas colónias que se encontrem nos seus museus, devolvendo-os futuramente aos países de origem.

Com ou sem investigação, a Alemanha já devolveu objetos e artefactos furtados ao Benim, em 2022, mas igualmente à Namíbia, prevendo-se que o possa fazer igualmente em relação à Tanzânia colonizada.

A ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, defende que “como alemães e como europeus, devemos parar e refletir sobre o que é que isto realmente significa”,

Ainda na Europa, a Suíça entregou 32 objetos culturais ao Egipto em 2018 e os Países Baixos devolveram recentemente centenas de objetos, alguns do século XIII, à Indonésia, outrora território colonial das Índias Orientais Neerlandesas.

A Indonésia agradeceu, mas espera mais: “Não chega. Devem mostrar que estão dispostos a corrigir a injustiça histórica tanto quanto podem”, defendeu Lilian Goncalves-Ho Kang You, a mulher à frente da Comissão de Restituição.

“Tímido”, tem sido um colonizador-maior: o Reino Unido. O Museu do Britânico e o Museu Victoria e Albert devolveram 32 peças de ouro e prata ao Gana, mas devolvem-nas a título de empréstimo durante seis anos.

Este é a perspetiva “reparadora” do colono. Mas haverá, claro, a do colonizado. E muitos países já se uniram para exigir o que chamam “justiça reparatória” de governos europeus.

A CARICOM, Comunidade do Caribe, formada por 20 Estados, incluindo a Jamaica, Trindade e Tobago ou Barbados, apresentou um plano de ação que, mais do que “devoluções”, pretende trabalhos profundos ao nível do combate à crise na saúde pública, erradicação do analfabetismo ou cancelamento de dívidas internacionais — tudo financiado pelos antigos colonizadores.

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