Como reduzir o tempo de demora dos processos judiciais, evitar investigações de bagatela, e reforçar a confiança dos cidadãos no trabalho Ministério Público? Carlos Adérito Teixeira, vice-procurador-Geral da República, avançou este fim-de-semana com uma mão cheia de propostas: cobrar uma taxa moderadora por cada queixa apresentada, ponderar o fim da fase de instrução, limitar o efeito suspensivo dos recursos e flexibilizar o dever de reserva dos magistrados fazem parte da lista.

As sugestões foram deixadas este sábado, 2 de março, no encerramento do XIII Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), a decorrer em Ponta Delgada, um encontro onde Lucília Gago assumiu estar de saída da PGR no final de mandato, e durante o qual Marcelo Rebelo de Sousa apelou ao “máximo rigor”.

Taxas moderadoras para responsabilizar queixosos

“Parece-me que teria algum efeito instituir uma taxa moderadora à apresentação de queixas criminais. Penso que responsabilizava mais e não se apresentava queixas por toda e qualquer razão, um apetite momentâneo. Apesar de eu até ser favorável à redução das custas, pelo menos em algumas áreas, mas aqui julgo que se justificaria”, disse.

O vice-PGR explicou que o custo poderia ter um valor baixo, na ordem dos cinco euros, mas ajudaria a evitar a apresentação de “queixas infundadas” que acabam por implicar movimentar a máquina judiciária, nomeadamente do Ministério Público (MP).

“Para reduzir as entradas de litígios no sistema penso que era importante vir a consagrar o princípio da oportunidade. Tanto se poderia refletir na abertura de processos, fazendo alguma depuração relativamente a bagatelas penais, mas também conferir prioridade, ou não, a certas investigações em função dos meios disponíveis e até alargar o âmbito da justiça consensual e procedimentos céleres”, propôs o magistrado.

Carlos Adérito Teixeira afirmou que “há muitas coisas” para fazer na Justiça, mas “a primeira delas era não alterar a legislação, ou não alterar muito”, porque “isso gera sempre algumas convulsões”, mas a fazer-se, que fosse “de forma ponderada com rigor e construída com o contributo dos profissionais do foro e não contra eles”.

Acabar com a fase de instrução e reduzir número de recursos

Entre as medidas de alteração propostas, o vice-PGR incluiu a ponderação do fim da fase de instrução nos processos e “os ganhos para o sistema e para o cidadão”, admitindo que seria necessário acautelar direitos, e “limitar um conjunto de intervenções que têm apenas uma finalidade dilatória”, nomeadamente ao nível dos recursos, considerando que “era preciso rever os atos que admitem recurso e mais ainda suprimir o efeito suspensivo dos recursos”.

Defendeu ser necessário rever a distribuição eletrónica de processos, que “causa grande transtorno à vida dos magistrados”, rever a arbitragem, com “problemas que estão muito mais escamoteados” que em outras áreas da Justiça, ou, na investigação da criminalidade económica e financeira grave, “admitir-se na lei, com limites, a utilização de software espião, nomeadamente nas buscas online ou até nas ações encobertas em ambiente digital”.

Procuradores com autorização para falar (formalmente) sobre os processos

Sobre segredo de justiça, disse que muitas vezes o MP é alvo de acusações infundadas, que tem informação para refutar, mas que não consegue usar dentro da lei, defendendo que este crime passe a constar do catálogo dos que admitem escutas telefónicas, o que “ajudaria muito a clarificar a situação”.

“Penso que se poderia excecionar a utilização de prova contra os jornalistas, porque aí a comunicação social desempenha uma função muito importante, obviamente não se quer restringir e, portanto, parece-me que se poderia considerar como algo a semelhante a conversas com sigilo profissional”, afirmou.

Carlos Teixeira admitiu também que o MP deve melhorar a sua comunicação e não só a nível institucional, aumentando a possibilidade de os procuradores defenderem publicamente o seu trabalho: “Para além da comunicação institucional devemos pensar na comunicação individual. Não sei, tenho as maiores dúvidas que o dever de reserva hoje ainda se justifique nos termos em que está. Será necessário rever os limites conceptuais e até no plano constitucional.”

O magistrado referiu-se a tempos de “alguma sensação de impunidade, de inquietação social e irascibilidade mediática” em que “o MP acaba por funcionar como um regulador ético-social” de defesa da legalidade democrática.

“Somos uma magistratura de iniciativa e não podemos baixar o padrão ético. É verdade que o sistema não é perfeito, não é infalível, o MP pode enganar-se, mas não engana nem aceita ser enganado. Somos um corpo de magistrados que atua com serenidade, mas também com coragem. Jamais nos pode faltar a coragem. Somos profissionais de mão-cheia. Cada um de nós tem um compromisso ético com a comunidade e julgo que depois deste congresso temos um compromisso afetivo e efetivo com o MP”, concluiu.

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