Especial ou Feliz? Quando vi este dilema condensado no título de um artigo de Arthur C. Brooks, dei um salto na cadeira. Para mim sempre foram sinónimo, ou seja, mantive a expetativa de que se conseguisse ser especial seria, necessariamente, feliz.

Mas o professor de Gestão da Harvard Business School estudou o assunto a fundo e garante que há muita, mas mesmo muita gente que prefere sobressair a ser feliz — são os viciados no êxito.

Viciados? A palavra tem uma conotação negativa, mas o investigador não tem a menor dúvida de que o mecanismo subjacente a quem procura incansavelmente o sucesso é idêntico ao de uma dependência alcoólica ou de outra droga. Neste caso, o elogio estimula a produção de dopamina, um dos químicos do cérebro implicados nos comportamentos aditivos, criando uma dependência. O adicto precisa de elogios — na forma de likes, de louvores, de notoriedade —, e faz de tudo para conseguir repetir os surtos de bem-estar que se lhes seguem.

O professor insiste: “Também se assemelha a uma dependência pelo efeito que produz nas relações com os outros. As pessoas passam a sacrificar-se pelo seu ‘verdadeiro amor’, que neste caso é o êxito“. Soa mais familiar quando recordamos a acusação que, se calhar, até já ouvimos: “Parece que estás casada com o emprego!”. Ou quando vemos a reação zangada de um workaholic, quando o avisamos de que põe em risco a saúde e, já agora, o casamento e a família.


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Brooks não se põe de fora desta história. O título nasceu precisamente de uma confissão que fez a um amigo: “Prefiro ser especial a ser feliz”. Recorda que justificou a afirmação com a confidência de que, na verdade, considerava a felicidade um objetivo banal, ao alcance de qualquer um, enquanto o êxito, o sucesso, era outra conversa. Um estatuto reservado a uns poucos. Hoje o investigador descobriu que é esse desejo de ser único que funciona como gatilho da dependência.

Esperem, é claro que o investigador sabe perfeitamente que não há ninguém que não se queira destacar, dar nas vistas, pelo menos uma vez de vez em quando. Sentimo-nos mais atraentes quando brilhamos, e somos atraídos pelas pessoas que têm a arte de acender os holofotes sobre si mesmas, mas o problema é que se trata de um fenómeno efémero. Ou seja, dá direito a overdose de tal forma, que o motivo que nos leva a apaixonarmo-nos por alguém que enche um palco, pode ser o mesmo que nos faz fugir dela a sete pés.

Mas a verdadeira tragédia é para os próprios porque, por muito que façam por isso, nunca sentem o êxito obtido como suficiente. Afirmam a torto e a direito que dali a seis meses, um ano, cinco ou dez, vão finalmente poder deixar a ribalta e gozar o que conquistaram, mas esse dia nunca chega, já que o “high” da vitória é cada vez mais curto. A satisfação desaparece quase imediatamente e, para não entrar em ressaca, é obrigado a voltar à passadeira para correr até ao próximo prémio.

Ah, pois, isto é tudo muito bonito, mas como é que alguém se desintoxica de um comportamento que é socialmente tão valorizado, que toda a gente louva e até inveja?


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O professor Brooks não é otimista. Sejam atletas, políticos ou administradores de empresas, ou outra coisa qualquer, deixar a alta competição é tudo menos fácil e, quando a transição é involuntária ou mal conseguida, estes adictos mergulham muitas vezes na depressão. Ou deprimem os outros, à custa das suas histórias intermináveis sobre os seus sucessos passados, ou graças ao amargo e constante lamento de que nos “bons velhos tempos” é que era.

Mas eu tenho uma sugestão: aos primeiros sintomas, devem procurar descobrir a ferida subjacente a esta necessidade desesperada de reconhecimento externo. Deitando-se no divã, se for caso disso. É impossível reescrever a nossa infância — o tempo em que num cenário ideal teríamos sido o “melhor do mundo para alguém” —, mas compreendê-la e aceitá-la, tomando consciência daquilo que buscamos em cada aplauso, pode ser meio caminho andado para que se torne apenas numa cicatriz. Que já não dói.   

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