No 50.º aniversário do PSD a CNN Portugal esteve à conversa com António Capucho, que relata a história do partido desde a social-democracia de Francisco Sá Carneiro até aos dias de hoje

“Entendemos que nesta hora de libertação havia que procurar corresponder a tal responsabilidade juntamente com todas as forças autenticamente democráticas”. Há 50 anos, neste mesmo dia, Francisco Sá Carneiro anunciava ao país a constituição de um grupo político de cariz social-democrata, ao lado de Francisco Pinto Balsemão e Joaquim Magalhães Mota, na sequência do derrubamento do regime ditatorial. Nascia assim, num curto espaço de tempo, o Partido Popular Democrático (PPD) que se estendeu posteriormente aos Açores e restante território nacional.

Mas o que é a social-democracia, de acordo com a visão dos fundadores? No programa político apresentado a 6 de maio de 1974 é descrita como a “consideração do trabalhador como sujeito e não como objeto de qualquer atividade”. “O homem português terá de libertar-se e ser libertado da condição de objeto em que tem vivido, para assumir a sua posição própria de sujeito autónomo e responsável por todo o processo social, cultural e económico”, lê-se.

Magalhães Mota, Sá Carneiro e Pinto Balsemão na fundação do PPD. (Imagem: arquivo PSD)

No seu blog, “Abrupto”, o comentador da CNN Portugal José Pacheco Pereira explica que aquele pensamento não vem do marxismo, do socialismo ou do esquerdismo, mas “da doutrina social da igreja tal como se materializava na social-democracia que se queria instituir”. “Demarca o PSD do PS, do PCP, mas, acima de tudo, daqueles que no lugar do ‘trabalhador’ colocam as ‘empresas’, a ‘economia’ ou outras variantes de qualquer poder que não ‘liberta’”, escreve. “Este é o PSD antigo, mas esta é também a parte que não é ‘modernizável’”.

Em junho de 74, Sá Carneiro surgia como secretário-geral do PPD numa “autêntica festa de homenagem aos homens que fizeram a revolução” dois meses antes. Segundo a página oficial do Partido Social-Democrata (PSD), o período seguinte foi marcado pela criação da sua juventude (JSD), o lançamento da primeira edição do seu jornal oficial “Povo Livre” e a chegada do PPD à Madeira. Mas o culminar de toda esta iniciativa política teve lugar no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, no âmbito do primeiro grande comício nacional do partido no qual estiveram presentes cerca de 15 mil pessoas. “Hoje somos muitos, amanhã seremos milhões”, as célebres palavras de Carlos Mota Pinto são atualmente referidas por vários sociais-democratas.

A mudança para a designação que hoje conhecemos teve início dois anos após a fundação do grupo político no Hotel Estoril Sol, numa reunião do Conselho Nacional, já depois das primeiras eleições legislativas e regionais. António Capucho tinha 31 anos na altura, era secretário-geral adjunto e estava encarregado de fazer a adaptação do símbolo para ficar em ata.

l Congresso do PSD, de 23 a 24 de setembro de 1974. (Imagem: arquivo PSD)

Licenciado em Organização e Gestão de Empresas, o antigo presidente da Câmara Municipal de Cascais (2001-2011) aliou-se ao partido justamente no histórico ano da sua fundação. “Sou o número 326”, conta em conversa com a CNN Portugal. Foi eleito secretário-geral em 1979, durante a liderança de Sá Carneiro, e posteriormente de Pinto Balsemão e Nuno Rodrigues dos Santos. Passou a presidir o grupo parlamentar do PSD cinco anos depois.

Já no VIII Governo Constitucional de Francisco Pinto Balsemão ocupou o lugar de secretário de Estado ajunto do primeiro-ministro, ascendendo a ministro da Qualidade de Vida no IX Governo de Mário Soares, o chamado “Bloco Central”. Entre 1987 e 1989, integrou o Governo de Aníbal Cavaco Silva como ministro dos Assuntos Parlamentares, para depois assumir a coordenação do grupo europeu do PSD e ser eleito vice-presidente do Parlamento Europeu. Nove anos mais tarde regressou à secretaria-geral do partido, que era liderado por Marcelo Rebelo de Sousa.

Prestes a completar 80 anos, António Capucho relata agora os momentos mais marcantes das cinco décadas de vida do Partido Social-Democrata e as principais alterações que o partido sofreu desde a grande criação de Francisco Sá Carneiro.

É de conhecimento geral que António Capucho era ativista político antes do 25 de Abril. Do que é que se lembra desse período?
Antes do 25 de Abril fui opositor. Nas duas eleições legislativas que tiveram lugar imediatamente antes do 25 de Abril, 69 e 73, fui modesto ativista da CEUD e da CDE depois. Da CEUD, que era um movimento que concorreu alternativamente à CDE, liderada pelos comunistas, e depois na lista de unidade que se conseguiu em 73. E, portanto, tinha já bastante propensão para estar atento ao 25 de Abril.

Acabou por encontrar no PSD, em 1974, uma nova forma de dar uso ao seu ativismo. Como é que lá chegou?
Repare, eu na altura já era casado e com filhos, mas tive de facto um grande impulso para participar naquele movimento de renovação do país. E, portanto, aqui em Cascais, que era onde eu morava, tivemos variadíssimas reuniões entre gente muito próxima, centro-esquerda, no fundo, que uns oscilavam entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata. E foi daí que surgiu, em primeiro lugar, a secção de Cascais, da qual sou cofundador, e mais tarde vim a ser chamado pelo líder do partido em outubro para colaborar na implantação do partido, e em fevereiro de 75 já era secretário-geral adjunto, e pouco tempo depois secretário-geral.

Portanto, foi convidado pelo próprio Sá Carneiro?
Eu trabalhava numa empresa privada, familiar, mas de grande dimensão, era diretor-geral. E tinha como advogado o escritório do Júlio Castro Caldas, com o Vera Jardim e com o Jorge Sampaio, acho eu. E quando há uma deserção, digamos assim, há um elemento da direção nacional do PSD, que se ausenta para o estrangeiro e que tinha a responsabilidade administrativa e financeira, o Júlio Castro Caldas sugeriu o meu nome, Sá Carneiro não me conhecia de lado nenhum. Chamou-me e convidou-me. Fui lá ter com ele, a pedido dele e a pedido da Conceição Monteiro, claro. Foi curioso, porque quando cheguei lá pediu-me imensa desculpa porque não me podia receber no escritório e perguntou-me se eu me importava de ir de carro para Belém com ele, porque tinha uma audiência de última hora com o Presidente da República. E foi nesse trajeto, desde o Duque Loulé, sede do PSD, até Belém, que nos conhecemos, e que eu disse que sim, que em princípio aceitava, mas só podia ir de manhã, porque tinha as minhas responsabilidades à tarde. Coisa que, aliás, demorou muito pouco tempo, porque o trabalho e o entusiasmo eram tantos que passei a full-time rapidamente.

Magalhães Mota e Sá Carneiro. (Imagem: arquivo PSD)

O que achou do fundador do partido durante essa conversa?
Já o conhecia, já tinha a noção de que era um homem que, ideologicamente, estava muito próximo dos meus ideais, no fundo abreviando a social-democracia à sueca, uma social-democracia muito humanista, muito personalista. E pronto, achei que tinha, de facto, um carisma enorme. Rapidamente percebi que ele estava profundamente empenhado em liderar um processo de democratização do país, rejeitando o regresso a qualquer totalitarismo, que era à direita, que na altura não se perspetivava, mas fundamentalmente evitar o regresso de um totalitarismo à esquerda que estava iminente, e que só foi abortado no 25 de novembro.

Podemos dizer que era uma social-democracia mais à esquerda do que a que conhecemos agora?
Nem tem comparação. Estivemos para nos chamar Partido Social-Democrata desde o início, estivemos para, a pedido de Sá Carneiro, ingressar na Internacional Socialista, e isso só não aconteceu porque houve o veto do PS, portanto havia direitos de veto para partidos do mesmo país que já lá estivessem, e acabámos por aderir aos liberais. Enfim, todo o programa do partido, se for a ver, o jornal da JSD liderado pelo Guilherme Oliveira Martins chamava-se “Pelo Socialismo”. Mas o Partido Socialista estava muito mais à esquerda do que nós, porque tinha dentro dele variadíssimos movimentos de quase extrema-esquerda que depois vieram a desaparecer e a integrar dentro do Partido Socialista. Temos Jorge Sampaio e muitos que vinham do Partido Comunista, portanto, estavam muito mais numa esquerda diferenciada da nossa que era muito mais moderada, muito mais interclassista.

O que é que o cativou mais para aceitar integrar o partido?
O seu programa e a liderança. Eu identificava-me perfeitamente com o programa, e o Francisco Sá Carneiro, de facto, cativava-nos com relativa facilidade, porque percebíamos no carisma dele e na vontade de agir ao serviço de Portugal. E era um programa de centro-esquerda, no fundo, muito próximo dos programas dos países nórdicos liderados por sociais-democratas, muito especialmente o sueco, não libertando, não expurgando a iniciativa privada, estabelecia uma certa ponte dizendo “muito bem, é preciso nacionalizar, sim, mas com conta, peso e medida, só os sectores absolutamente chaves da economia”. Mas a importância fundamental da produção de riqueza assenta nas empresas. O interclassismo do partido permitia e obrigava, no fundo, a esta liberdade interna do PSD mais ao centro, se quiser ao centro-esquerda na altura, mais do que o Partido Socialista, que era muito colonizado por movimentos extremistas, porque quem depois o Mário Soares se veio libertar rapidamente. Antes de o partido se virar para o CDS e para o PPM, quando percebeu que de facto só ali é que era possível constituir uma maioria estável, como aliás foi verificado com duas maiorias absolutas, ele tentou fazer uma aproximação ao Partido Socialista, e propô-la, mas foi literalmente rejeitada.

O PSD faz agora 50 anos. Consegue descrever esse período?
Foi um PSD atribulado resultante da situação de ter uma conotação interclassista, portanto uma fação mais à direita e outra mais ao centro-direita, outro mais ao centro-esquerda, e que o grande problema que tivemos foi a seguir às duas maiorias absolutas do Cavaco. O PSD quando governou, governou herdando situações absolutamente caóticas. Cada vez que havia um mau resultado eleitoral, tendencialmente o líder do PSD demitia-se e aparecia outro. Portanto, não houve uma grande estabilidade nos tempos mais recentes. Apesar de tudo, deu um contributo absolutamente inestimável, quer na Assembleia da República, quer noutra em que eu também participei, tive duas maiorias absolutas aqui na Câmara de Cascais, em que o PSD é, de facto, um dos dois grandes partidos nas autarquias, e tem um peso absolutamente ímpar. E tem um papel absolutamente determinante nas grandes autarquias do país, e em termos quantitativos nas freguesias, nos conselhos.

Primeiro aniversário do partido, em 1975. (Imagem: arquivo PSD)

Mas acha que mudou para melhor ou para pior?
Não mudou nem para melhor, nem para pior. Mudou para diferente e tinha de mudar para diferente porque os tempos são completamente diferentes. Se me perguntar se estou satisfeito com a evolução, não, eu preferia que o partido tivesse mais encostado ao centro-esquerda do que está. Mas veja-se a própria afirmação perentória do líder do PSD, Luís Montenegro, no sentido em que ‘não é não’ com o Chega, mostra que há uma afirmação clara de ideologicamente não querermos qualquer mistura com o populismo da direita radical. Mas por exemplo, a mim faz-me alguma aflição que o PSD tolere que permanentemente na comunicação social e em todo o lado se classifique como um partido de direita. Se me disserem que está na direita do espectro político na Assembleia da República, está. Se partirmos a Assembleia da República ao meio, do lado esquerdo está o PS com os outros partidos da esquerda radical, e à direita estamos nós com o CDS, a Iniciativa Liberal, e o Chega na extrema-direita. Eu não aceito que se incline o partido para a direita, embora eu aceite que haja a designação de centro-direita.

Quais foram os momentos mais difíceis que o partido enfrentou?
Desde logo, a sucessão de Francisco Sá Carneiro. Era muito difícil de suceder, e Francisco Pinto Balsemão fez um trabalho importante, mas tinha uma missão muito, muito difícil. O outro período também extremamente difícil tem a ver com a gestão do Pedro Passos Coelho, que por força da herança e da assinatura do acordo que teve com a Europa, que o PS na legislatura anterior tinha concebido, obviamente teve imensas dificuldades e teve de desenvolver uma política de fortes restrições, e o PSD sofreu. Embora, curiosamente, depois o eleitorado tenha reconhecido que o trabalho dele, o qual ele em alguns momentos esteve em desacordo por alguns excessos, mereceu atribuir-lhe a vitória. Ele teve mais votos que o Partido Socialista, depois o Partido Socialista respondeu com geringonça. Portanto, esse período foi um período bastante difícil para o PSD, claro. Não era popular estar a cortar rendimentos e outras coisas.

Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota foram as caras fundadoras do partido. Quem são para si as figuras que o mantiveram vivo até agora?
Eu não quero fazer demagogia, mas um militante base foi muito importante para o partido na altura, porque o Francisco Sá Carneiro percebeu que nós só podíamos crescer como partido se estivéssemos implantados em todo o país. Portanto, agarrou em todos os dirigentes nacionais do PSD, incluindo a mim próprio, para junto das cada uma das municipalidades deste país implantar-se o partido, abrindo sedes, chamando as pessoas ao convívio nas sedes. Na altura não havia televisões, havia apenas uma, e de facto havia um grande entusiasmo. O país deve imenso a um conjunto de militantes de base e, muito especialmente, a dirigentes locais e dirigentes distritais que foram aqueles que, com maior força e maior eficácia, implantaram o PSD para o fazer dele um grande partido. O que, aliás, também se deve verificar a partir da primeira maioria absoluta que Francisco Sá Caneira obteve. Sobre personalidades há variadíssimas, não há dúvida nenhuma que o professor Cavaco Silva não pode deixar de figurar entre as pessoas mais importantes que esse partido teve, na justa medida em que obteve duas maiorias absolutas para o partido. Mas, depois, um conjunto de dirigentes que deram o corpo ao manifesto na liderança do partido, uns com maior sucesso, outros com menos sucesso.

Eleição do presidente Aníbal Cavaco Silva, no XIII Congresso do PSD em 1986. (Imagem: arquivo PSD)

E acha que está bem representado agora?
A vontade dos militantes foi eleger o atual líder, Luís Montenegro. Eu, por acaso, apostei no outro candidato, mas não deixo de reconhecer a Luís Montenegro qualidades. Aliás, eu disse-o publicamente, têm os dois mérito absoluto, mas em termos de mérito relativo Luís Montenegro mereceu o apoio expressivo dos militantes em congresso. Ainda por cima apresentou uma moção de estratégia com a qual eu não tinha discordâncias absolutamente nenhumas. Por outro lado, em todo o seu percurso até ser eleito para liderar o país na governação teve de facto um papel dentro do partido bastante importante. E daí eu considerar que ele está muito bem no lugar em que está, e espero bem que ele continue e consiga, porque não vai ser fácil completar a legislatura.

Agora está afastado da política, mas ainda se considera um verdadeiro social-democrata?
Sou o mais possível social-democrata, não tenho a mínima dúvida disso. Estou apenas afastado, porque, entretanto, cessei funções na Câmara de Cascais, depois adoeci, e vou fazer 80 anos. Portanto, tenho agora outra função, que é tomar conta dos meus netos.

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