A história, principalmente tendo em conta a proximidade do Dia Internacional da Mulher, poderá deixar nalguns narizes mais progressistas um leve aroma a bafio. É, portanto, a história de um grande homem que só o é porque tem como aliada uma grande mulher. Tendo em conta que Luís Montenegro passa metade do tempo em Lisboa e que a residência da família é em Espinho, essa parceria ombro-a-ombro, a sê-lo, é mais virtual. Com a vitória eleitoral, Carla Montenegro prepara-se para se mudar para Lisboa ou para, pelo menos, passar mais tempo na capital, em particular, ali na zona de São Bento.
Carla e Luís estão juntos há 32 anos. Conheceram-se na escola secundária Manuel Laranjeira, começaram a namorar aos 18 anos e nunca mais se largaram. Vive em Espinho, atualmente, naquela famosa casa de oito andares que já trouxe amargos de boca ao líder do PSD – porque não foi declarada ao Tribunal de Constitucional, como deveria ter sido, e porque Montenegro pediu uma licença de renovação, mas afinal destruiu e contruiu de novo, pagando menos impostos, situações que a Procuradoria Geral da República está a investigar. O casal tem dois filhos, de 18 e 22 anos. Carla tem 50 anos, tem dois cursos superiores e fez toda a sua carreira numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que trabalha em bairros desfavorecidos de Espinho.
Recém-saídos do liceu, Luís foi tirar Direito para a Católica, no Porto, e Carla fez o curso de educadora de infância, na Universidade de Aveiro. Os seus hobbies entrecruzavam-se com os trabalhos de verão que faziam para ter algum dinheiro e muito do tempo de ambos, fora da faculdade, era passado à beira-mar. Montenegro trabalhou como nadador-salvador, e no bar de praia Última Instância, onde Carla também trabalhou. Para além disso havia o voleibol – não só, mas também de praia – de que Carla era uma praticante assídua, apaixonada e altamente competitiva, chegando a campeã nacional de voleibol pelo Sporting de Espinho, no escalão de juvenis femininos.
Em 1997, Carla Montenegro arranjou emprego na Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho, onde ainda hoje trabalha. A associação dedica-se ao acompanhamento e apoio de pessoas em situação de risco de pobreza e Carla faz um trabalho de proximidade junto de crianças e jovens, em particular na prevenção do abandono escolar. Entre uma coisa e outra, tirou outro curso – Ciências da Educação na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto – e teve dois filhos. O mais velho tem 22 e, sendo que Luís Montenegro foi eleito para o seu primeiro mandato como deputado da Assembleia de República em 2002, passando, nessa altura, a dividir o seu tempo entre Espinho e Lisboa, basta fazer as contas para perceber que Carla não contou com muita ajuda do marido para criar os filhos. Valeram-lhe os pais e os sogros, razão pela qual o casal decidiu nunca se mudar definitivamente para Lisboa, apesar das dificuldades de uma relação à distância e de longas horas passadas na estrada, entre Norte e Sul.
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Amigos do casal garantem que, acima de tudo, une-os uma grande amizade. A revista Sábado dá um exemplo desse companheirismo: na sequência do episódio do ativista climático que despejou uma lata de tinta verde na cabeça de Montenegro, “Carla estava em Espinho e, assim que soube, meteu-se no carro em direção a Lisboa. Estava preocupada com os efeitos da tinta nas lentes de contacto que o marido usa. Acabaram por se encontrar a meio caminho, em Pombal.”
Nas próximas semanas, e caso Montenegro venha a ser indigitado primeiro-ministro – à partida, não se vislumbra outra hipótese –, a Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho vai ter de abrir mão da sua funcionária dedicada e São Bento ganha um reforço com conhecimento em primeira-mão do que é viver na pobreza, com um elevador social que funciona mal e da importância de um Estado Social forte que apoie estas pessoas e que as ajude as viver vidas mais dignas.