A autora de “Persépolis” (2000) e de “Mulher, Vida, Liberdade” (2023) foi galardoada com o Prémio Princesa das Astúrias de Comunicação e Humanidades 2024, segundo anunciou esta terça-feira em Oviedo, Espanha, a Fundação Princesa das Astúrias, citada pelo jornal espanhol “El País”.
Segundo o comunicado do júri, Marjane Satrapi, nascida no Irão em 1969 e conhecida internacionalmente pela banda desenhada autobiográfica “Persépolis”, recebe o galardão por ser “uma voz essencial para a defesa dos direitos humanos e da liberdade”, lutando contra a opressão no Irão, e “um símbolo do compromisso cívico liderado pelas mulheres”.
Concretamente, o prémio reconhece o talento de Satrapi “em reinventar a relação entre arte e comunicação, nomeadamente com a novela gráfica ‘Persépolis’, na qual está plasmada exemplarmente a procura de um mundo mais justo e inclusivo”.
O primeiro prémio atribuído pela Fundação Princesa das Astúrias nesta edição foi o das Artes, entregue ao músico catalão Joan Manuel Serrat. Nos próximos dias, serão anunciados os prémios nas áreas do Desporto, Ciências Sociais, Letras, Cooperação Internacional, Investigação Científica e Técnica e Concórdia, cada um com um valor monetário de 50 mil euros. A cerimónia de entrega decorrerá em outubro.
Publicado em português, “Persépolis” – adaptado em 2007 como filme de animação, tendo Satrapi e Vincent Paronnaud como realizadores – relata em banda desenhada a sua infância e parte de adolescência no Irão até à sua ida para a Europa em 1984, por decisão dos pais, para completar uma educação laica num país sem repressão. Mas é também o retrato de um país a preto e branco, marcado pela Revolução Iraniana de 1979, que derrubou a monarquia autocrática do Xá da Pérsia e instaurou uma república islâmica teocrática comandada pelo aiatola Khomeini.
A autora ainda regressará a Teerão para estudar na Escola de Belas Artes, mas terminará a formação na Escola de Artes Decorativas de Estrasburgo, em França.
Publicado em vários volumes, “Persépolis” dar-lhe-á vários reconhecimentos, como no Festival de Banda Desenhada de Angoulême. Também o filme de animação com o mesmo nome vencerá o Grande Prémio da Crítica no Festival de Cannes e será candidato aos Óscares.
“Tenho noção que ‘Persépolis’ marcou uma mudança”, dizia em fevereiro em entrevista ao Expresso. “Não podemos esquecer-nos de que, quando falamos do Irão, falamos de um dos países mais ricos do mundo, mas as pessoas são pobres, porque o Governo é corrupto. Quando saiu ‘Persépolis’, fui vista como uma rapariga excecional, de uma família excecional, que tinha um desenho excecional, mas como eu havia e há muitas outras, só que não as conhecem. Não sou excecional, de todo! A visão das pessoas muda-se aos poucos e isso ajuda a mudar a política.”
Entre as várias obras de banda desenhada da autora encontram-se “Bordados” e “Frango com Ameixas”, também disponíveis em Portugal, mas a autora deixou progressivamente de publicar neste formato para se dedicar ao cinema – tendo realizado “As vozes” (2014) e “Radioativo” (2020), centrado na vida da cientista Marie Curie.
Regressaria à banda desenhada recentemente, ao coordenar “Mulher, Vida, Liberdade” – um volume que contextualiza e reflete sobre o movimento cívico surgido após a morte de Mahsa Amini, morta em setembro de 2022 pelo regime iraniano por não usar o hijab de forma ‘adequada’. A obra, que apelidou de “revolução”, reúne contributos do historiador Abbas Milani, do politólogo Farid Vahid, do jornalista Jean-Pierre Perrin e de 17 ilustradores e autores de banda desenhada de vários países, incluindo iranianos a viver fora do país.
“Acredito que o futuro do Irão pertence aos iranianos que vivem no Irão, mas acredito também que os que estamos fora temos um papel de porta-vozes, porque os que lá estão não têm como ser ouvidos”, referia na mesma entrevista ao Expresso. “E é isso que posso ser, uma porta-voz, porque já não vivo no Irão há muitos anos, portanto, não sou a passionária iraniana que algumas pessoas gostam de imaginar…” E rematava: “Esta revolução cultural, esta revolução feminista, apoiada também pelos homens, para mim é um sinal de esperança.”