A minha ansiedade é um bocado como a piada da pescada – antes de o ser já o era. Não é que eu nunca tivesse sido ansiosa, mas foi quando ouvi a palavra pela primeira vez no consultório da minha psicóloga depois do meu primeiro burn out em 2016 que finalmente consegui rotular este mal-estar contínuo que sentia por dentro. A palavra foi ganhando dimensão – ao mesmo tempo que havia dias que servia de cobertor para aconchegar os meus demónios, também foi adquirindo espaço como uma visita que se acomoda e quando damos por nós está a usar as nossas roupas sem perguntar. Com ela vieram outras: controlo, medo, traumas, mommy issues. Muita informação, muita coisa para lidar, muito ‘bem-vinda à vida adulta onde tudo o que te aconteceu em criança voltou para te assombrar’. Demorei algum tempo a aprender a acolhê-la, tive de passar a dizer mais ‘nãos’ e a desenhar uma nova forma de viver, e não é que ela se tenha ido definitivamente embora (nem é suposto, até porque como qualquer outra emoção serve para nos alertar e dar a conhecer), mas nos últimos anos – já com a lista de relações e empregos tóxicos riscada – comecei a sentir-me engolida pelo mundo como se estivesse outra vez naquele consultório a chorar compulsivamente e a pedir uma solução para isto parar. Não era difícil perceber a causa: estava quase sempre tudo bem até abrir a app do Instagram.

Podia dizer que o meu fim de relação com a rede social seria um caso típico de ‘não és tu, sou eu’, mas a verdade é que acredito que sejas mais tu. Por muito embaraçoso que me seja admitir, via os meus dias serem engolidos por scrolls infinitos, o meu algoritmo tomado por dietas, corpos perfeitos, viagens e roupas novas, o meu cérebro a definhar a cada nova investida online, a minha energia a desaparecer por entre posts guardados. Não que estivesse infeliz, posso garantir que não estava – mas de repente estava, era, a minha vida toda uma grandíssima porcaria, o meu cabelo pouco denso, a minha cara com falta de botox e a minha conta bancária o que me tornava um flop social (basicamente, um TPM gigante que não desaparecia quando me aparecia o período). A questão é que continuava a não ser eu – ok, em parte as minhas inseguranças, mas quem não as tem – mas ‘tu’, ele. O Instagram (como qualquer narcisista caso permitamos) está feito para nos fazer sentir miseráveis. É como no Casino, a casa ganha sempre, e eu fui tomando consciência que para ter a minha sanidade de volta só haveria uma coisa a fazer. A coisa mais impensável, mais ‘como é que eu vou continuar a ser relevante‘, mais ‘como me vou manter atualizada’, mais anti-2022 a fazer – desativar a minha conta na app.

6 coisas que senti ao ter eliminado o Instagram 

O que os outros pensam sobre ti torna-se ainda menos importante: ao início, achei que estar fora dos hot topics da semana me ia fazer sentir desenquadrada, mas na verdade a minha lista de interesses não diminuiu… bem pelo contrário. Além de ganhar uma sensação de ter mais tempo para fazer mais coisas, sem ter acesso constante à vida dos outros – e tão ou mais importante, sem eles terem acesso à minha – a minha agenda tornou-se mais livre para se preencher do que verdadeiramente gosto, sem me sentir pressionada a ir a determinada festa ou não ter sido convidada para um evento. Há algo no secretismo de não publicar nada nas redes sociais que me fez sentir mais liberta e longe da pressão social da turma dos cools.


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A impressão que deixas cara a cara conta mais do que o que publicas nas redes sociais: Como é que me vou manter relevante no mercado de trabalho sem deixar todas as pessoas a par dos meus trabalhos? Sem lhes aparecer no feed para as lembrar que eu existo e que me podem contratar? Achei que ia ser esquecida – ainda para mais sendo freelancer – mas surpresa: nunca tive tanto trabalho. Aparentemente, e ao contrário do que me estavam a fazer acreditar, um CV continua a valer mais do que posts com muitos likes e as relações que crias com as pessoas com quem vais trabalhando são aquilo que te vai manter relevante.

A minha forma de vestir tornou-se mais única e a minha autoestima aumentou: Sem a curadoria das melhores fotografias trazidas por cada utilizador do Instagram, comecei a comparar-me apenas com as pessoas reais, o que me levou a perceber que a minha pele, corpo ou cabelo são perfeitamente ‘normais’. Sem estar constantemente a receber referências de moda, sinto que o meu estilo também se começou a tornar mais ‘eu’ – as influências diminuíram e quando ia às compras parecia que os meus instintos estavam mais alerta para criar um look baseado apenas no meu gosto e personalidade.

O meu nível de concentração voltou: Não, eu não tinha deficit de atenção, eu estava só cansada do tempo que gastava nas redes sociais. Sem a possibilidade de abrir a janela para o mundo ‘lá fora’ a cada 5 minutos, comecei a forcar-me mais nas tarefas que tinha para desempenhar e não demorou muito até começar a concentrar-me em tarefas que realmente importam (quer seja ler um livro, arrumar a casa ou entregar um trabalho dentro do deadline) e a estar mais presente nos momentos importantes.

As minhas manhãs tornaram-se mais calmas: Qual é a primeira coisa que fazem quando acordam? Quanto a vocês não sei mas mal desligava o alarme punha-me a ver as notificações da app. Sem essa opção, comecei a sentir-me menos ansiosa ao despertar, a tomar um pequeno-almoço com calma e com menos pensamentos intrusivos sobre o que ‘teria de ser’ o meu dia em comparação com o que meio mundo já tinha feito ainda nem 9h da manhã eram. Começar um dia bem pode mudar o resto das 24h.


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Não senti assim tanta falta: Garanto, é só mesmo uma questão de hábito. Talvez quando acabas por saber de uma gravidez por último ou perdes o Jeremy Allen para a Calvin Klein ponderes voltar a instalar, mas regra geral não há efeitos negativos a apontar. Com a falta de informação e gossip reencaminhado, posso confessar que me senti menos julgadora em relação aos outros e consequentemente comigo mesma. Se me deixarem de ver outra vez por lá não se admirem. E não, não vos bloqueei. Se for para vos eliminar prefiro fazê-lo onde verdadeiramente importa, na vida real.

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