Lançada no final da semana passada, a canção ‘Rendas Altas’, do rapper Gandim (alter ego do humorista Guilherme Duarte), está a dar que falar, pela letra que faz numerosas menções, divertidas mas contundentes, à dificuldade no acesso à habitação em Portugal.
Com participação de Ana Bacalhau, ex-Deolinda, o tema relata a procura de um apartamento por parte de um jovem que acabou de se licenciar e ganha “mil e duzentos pau: no OLX os preços que eu vi, até me cuspi/1800 um T1 em Lisboa/Precisa de mil obras e já lá mora uma pessoa.”
O narrador acaba por um encontrar um apartamento cuja renda consegue pagar, e que descreve da seguinte forma: “800 euros por uma casa que é uma cave é sodomia/tem uma janela, não é grave e a senhoria mora lá em cima/é minha vizinha e adivinha, a sanita é na cozinha’.
Em quatro dias, o vídeo da canção no YouTube foi visto cerca de 70 mil vezes e tem conquistado comentários elogiosos dos espectadores.
A letra da canção:
Acabei o curso, comecei a trabalhar
conselho dos pais, matei-me a estudar
ordenado base, mil e duzentos paus
não está nada mau, para o que a malta anda a ganhar
comecei a procurar uma casa para arrendar
um pequeno apartamento, só para mim pode ser pequeno
afastado ou centro, no OLX
os preços que eu vi, até me cuspi
Mil e oitocentos
um T1 em Lisboa
Precisa de mil obras e já lá mora uma pessoa
aumento o raio até à Brandoa
T2 em mau estado, menos de mil nem na Amadora
800 paus por uma casa que é uma cave, é sodomia
tem uma janela não é grave e a senhoria
mora lá cima, é minha vizinha e adivinha
a sanita é na cozinha
Não há, recibo nem contrato
ela diz que o bairro é pacato
tou por tudo, tou farto, já aceito um vão de escada
sortudo do Harry Potter que não pagava nada
Nem ganho para um quarto
estão a gozar comigo
sendo assim, sendo assim
vou ser sem-abrigo
Com estas rendas altas ninguém aguenta
Sair de casa dos papás nem aos quarenta
Tenho o sofá de um amigo
ou ser sem-abrigo
Casa dos pais com esta idade,
não há privacidade
pinar devagarinho, gemer baixinho,
pa não acordar a mãe
só quando estamos sozinhos é que sei se ela se v
Quem escreveu os três porquinhos só nos mentiu
hoje viviam os três juntos e o lobo era o senhorio
por isso é que os anões dividiam uma casinha
e ainda aceitaram mais uma inquilina
É lógico, vou viver com os meus pais até ser old
sou nómada analógico e não tenho um visto gold
Vou ver se sou preso, cama de borla e uma sandes
Ou pior que isso, ir viver para Abrantes
Um T0 em bom estado, tu pensas
Abaixo do mercado, vai ter surpresas
Novecentos euros e duas rendas, sem despesas
Dez metros quadrados sem janelas, nem despensa
Beliche partilhado, frigorífico ao lado
diz que é co-living, não é especulação
Ainda acabo numa roulote, em segunda mão
a cheirar a farturas e a sandes de leitão
vejo um anúncio de um estúdio barato, no Idealista
um achado, rés do chão, mas boa vista,
boa área bruta, fiz refresh, foi apagado
filhos da
Dos governantes que não nos tiram desta crise
Com estes preços nem arranjo uma marquise
vou criar um onlyfans e vender os meus feet
ou viver com dez indianos e bulir na uber eats
Mil paus, um contentor num piso térreo
isolado, ao lado caminho férreo
neste estado, já perdi todo o critério
até vivo acampado num cemitério
Ainda pedem três meses de renda adiantado e exigem
caução, fiador, e sangue de uma virgem
madeixa de crina de unicórnio
e certidão do papa a dizer que sou idóneo
Tenho um amigo que acabou com a namorada
eles não se falam, mas cruzam-se em casa
amor e cabana ou uma tenda
juntos pra sempre por causa da renda
Comprar em vez de arrendar, dizem os Martins
Com guita dos pais também eu falo assim
só tenho uma entrada se vender dois rins
Sem contar com a escritura, seguros e IMIS
IMT, Euribor, imposto de Selo, juro
TAEG, taxa de esforço, mais seguros
certificado energético, mais valias, tu consegues
Condomínio, Prestação, SPREAD your legs
Nasci na geração errada, foi por um triz
nunca quis, mas vou deixar o meu país
Vou ter ter de emigrar e tentar ser feliz
em cidades mais em conta como Londres ou Paris
A crise da habitação tem sido abordada, nos últimos anos, em canções como ‘Não Sei o que é que Fica’, de A Garota Não com Chullage, e ‘Tê Menos 1’, de Eu.clides.