O primeiro mapa mundial do tráfego de grandes navios e de infraestruturas offshore lança luz sobre o número desconhecido de “frotas de pesca obscuras”, a maioria, ilegal.
Um estudo inédito que combina dados do satélite Copernicus Sentinel-1 e Inteligência Artificial mostra uma realidade surpreendente sobre a pesca mundial: cerca de 75% dos navios de pesca industrial não são detetados pelos sistemas públicos de monitorização.
Nem todos os barcos são legalmente obrigados a transmitir a sua posição, mas os navios não incluídos nos sistemas públicos de monitorização, denominados “frotas obscuras”, representam um desafio para a proteção e gestão dos recursos naturais.
O estudo, publicado no início do mês na revista Nature, foi liderado pela Global Fishing Watch – uma organização que procura promover a boa governação dos oceanos através de uma maior transparência da atividade humana no mar.
O mapa mostra embarcações individuais detetadas pelo Sentinel-1 no período entre 2017–2021 e abrangeu águas costeiras em seis continentes, onde se concentra a grande maioria das infraestruturas pesqueiras e offshore.
Azul representa posições conhecidas de embarcações, a laranja as embarcações sem correspondência no sistema de monitorização.
Com os dados de radar de cinco anos da missão Copernicus Sentinel-1 e alguns dados óticos da missão Copernicus Sentinel-2 juntamente com informações de GPS, os investigadores da Global Fishing Watch conseguiram:
- identificar numerosos navios de pesca obscuros dentro de muitas áreas marinhas protegidas.
- Detetaram uma elevada concentração de navios nas águas de muitos países que, nos seus sistemas de monitorização públicos, mostravam pouca ou nenhuma atividade.
- 75% dos navios de pesca industrial do mundo não são monitorizados publicamente, sendo que grande parte dessa pesca ocorre em torno de África e do Sul da Ásia
- Verificou-se também que mais de 25% da atividade dos navios de transporte e energia também estava ausente dos sistemas de rastreio.
A emergência de uma “nova era industrial”
“Uma nova revolução industrial tem surgido nos nossos mares sem ser detetada – até agora”, disse David Kroodsma, diretor de investigação e inovação da Global Fishing Watch e co-autor principal do estudo.
Em terra, temos mapas detalhados de quase todas as estradas e edifícios do planeta. Pelo contrário, nos oceanos o crescimento tem sido ocultado da vista do público. “Este estudo ajuda a eliminar os ‘ângulos mortos’ e a lançar luz sobre a dimensão e intensidade da atividade humana no mar”.
Os dados e a tecnologia utilizados no estudo estarão disponíveis gratuitamente, para uma nova era na gestão e transparência dos oceanos, disse Kroodsma, sublinhando que também ajudará nos estudos sobre as emissões de gases com efeito de estufa no mar e nos problemas provocados pela poluição, como derrames de petróleo, nos habitats marinhos.
O estudo também analisou infraestruturas offshore, como turbinas eólicas e plataformas petrolíferas.
Durante o período do estudo, 2017-2021, as estruturas petrolíferas aumentaram 16% e as turbinas eólicas mais que duplicaram.
Em 2021, as turbinas superavam as plataformas de petróleo. A energia eólica offshore da China teve o crescimento mais impressionante, aumentando nove vezes entre 2017 e 2021.
Isto é importante para ajudar a compreender os impactos e tendências do desenvolvimento.
O radar que consegue penetrar nas nuvens e “ver” no escuro
Para o gestor da Missão Copernicus Sentinel-1 da ESA, Nuno Miranda, o papel desempenhado pelo satélite europeu foi preponderante nestes resultados surpreendentes.
“Estamos surpreendidos com os resultados do estudo, não creio que alguém esperasse que 75% dos navios no mar não transmitissem as suas posições”, afirmou.
Para este responsável, “a missão demonstra como a capacidade de imagem do radar para todas as condições climáticas, diurnas e noturnas, combinada com as observações sistemáticas e globais, permitem uma maior compreensão da escala do impacto dos humanos no meio ambiente e nos recursos naturais.”