A Comissão Europeia apresentou, em julho do ano passado, uma proposta de regulamento sobre a gestão dos automóveis em fim de vida, com o objetivo de incentivar a economia circular. Nos últimos dias, correu (erradamente) a ideia de que os veículos com mais de 15 anos não poderiam ser reparados. Mas nada no documento proíbe a reparação de veículos que ultrapassem essa idade, nem qualquer outra. Saiba o que está em causa neste perguntas e respostas que o Expresso preparou.
Qual o objetivo da proposta?
A proposta em causa visa “exclusivamente abordar o caso de veículos que já atingiram o fim de vida útil”, explicou na semana passada o porta-voz da Comissão Europeia, Adalbert Jahnz.
“Não existe nada neste regulamento para impedir a reparação de automóveis que podem ser reparados. Só no caso de um carro estar a ser vendido é que existem regras neste regulamento que iriam permitir às autoridades determinar se um carro é realmente um carro, ou se na verdade já não é um carro, mas sim um veículo em fim de vida. E nesse caso, tem de ser tratado de acordo com as regras dos resíduos”, esclareceu.
O que é um veículo em fim de vida?
Um veículo em fim de vida (VFV) não apresenta condições para a circulação – como resultado de acidente, avaria, mau estado ou outro motivo – e, chegando ao fim de vida útil, passa a ser considerado um resíduo, indica o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT).
A diretiva sobre veículos em fim de vida, que data de 2000, define medidas “destinadas a evitar e limitar os resíduos provenientes de VFV e respetivos componentes”, de forma a garantir a reutilização, reciclagem e valorização. O objetivo é também melhorar o “desempenho ambiental” de todos os operadores envolvidos no ciclo de vida dos veículos.
No entanto, de acordo com a proposta, um dos “maiores desafios práticos” relacionados com a implementação da diretiva é determinar se um veículo se tornou ou não num VFV, especialmente nos casos de “transferências transfronteiras”. Uma vez que a avaliação “continua a ser problemática”, trata-se de definir “critérios precisos e juridicamente vinculativos” que permitam determinar se o veículo se encontra nessa fase.
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Quais são os critérios?
No anexo da proposta estão enumerados os critérios para determinar se um veículo usado é um veículo em fim de vida. Um veículo é “tecnicamente irreparável” se preencher pelo menos um destes critérios: foi cortado em pedaços ou foram-lhe retirados elementos; foi soldado ou selado por espuma de isolamento; foi completamente queimado até à destruição do compartimento do motor ou do habitáculo; foi mergulhado em água até um nível superior ao painel de bordo.
Mas também se um ou vários dos componentes não puderem ser reparados nem substituídos: componentes de ligação ao solo (como pneus e rodas), suspensão, direção, sistema de travagem e respetivos componentes de comando; fixações e articulações dos bancos; airbags, pré-tensores e cintos de segurança; casco e quadro do veículo.
O veículo será classificado como tecnicamente irreparável também se os componentes estruturais e de segurança apresentarem “defeitos técnicos irreversíveis” – como envelhecimento do metal – e se a reparação exigir a substituição da caixa de velocidades, da carroçaria ou do conjunto do quadro.
Noutra vertente, o veículo é “economicamente irreparável” se o seu valor de mercado for inferior ao custo das reparações necessárias “para o restituir, na União, a um estado técnico suficiente para obter um certificado de inspeção técnica no Estado-Membro no qual estava matriculado antes da reparação”.
Que problemas existem?
São quatro os “domínios problemáticos” a abordar na União Europeia (UE), de acordo com a proposta. Há uma “falta de integração da circularidade na conceção e produção de veículos”, o que leva a uma “elevada dependência das matérias-primas primárias”. Além disso, a qualidade do tratamento de VFV é “insuficiente” e é exportado anualmente da UE “um grande volume de veículos usados poluentes e em condições de circulação inadequadas”. Existe também um “potencial de circularidade inexplorado” dos veículos que não são abrangidos, neste momento, pela diretiva sobre VFV.
E quais as soluções?
Para procurar resolver os problemas identificados, foram enumeradas várias estratégias: conceber para a circularidade; utilizar materiais reciclados; tratar melhor, recolher mais e proporcionar incentivos para aumentar a recolha de VFV; abranger mais veículos.
O que se segue?
Depois de apresentada em julho, a proposta da Comissão Europeia foi alvo de debate nos dias 12 de dezembro e 12 de janeiro, em primeira leitura – à apresentação de cada proposta segue-se a tomada de decisão por parte do Conselho e do Parlamento Europeu. Um processo normalmente longo, sendo que a atual legislatura do Parlamento Europeu termina já em junho.