Agora sonhámos em vencer o Euro 2024, já vencemos o de 2016, estivemos quase a conquistar o de 2004, em 2000 e 2012 pensámos e bem que podíamos ser reis da Europa. Mas no tempo em que a seleção era a mesa “dos do Benfica, a mesa dos do Sporting, por aí”, sonhávamos com nada – e já era muito. Esta quarta-feira há Geórgia-Portugal para ver na TVI (20:00) e sonhamos com tudo – e até é pouco para o potencial desta seleção. Inácio, o grande Inácio, o histórico Inácio, esteve no início disto tudo, quando fomos ao fundo para que fosse possível chegarmos ao topo. Que é onde estamos

Portugal sempre teve bons jogadores desde muito cedo, como são disso exemplo os Cinco Violinos, mas apenas se estreou numa competição ao oitavo Mundial da história. Porquê uma estreia tão tardia?
Portugal antigamente tinha bons jogadores mas não tinha a metodologia certa para poder ir muito mais longe. Estávamos muito atrasados ao nível da qualidade do treino. Também havia grandes jogadores noutras equipas. Mas quanto à metodologia, a organização da Federação Portuguesa de Futebol também não era a melhor, de há uns tempos para cá as coisas melhoraram muito, principalmente após o Mundial do México 86, em que a Federação tomou consciência da forma como organizava as coisas. Não havia as condições necessárias para o futebol, por isso é que aconteceu aquilo que aconteceu em Saltillo. Foi a partir daí que a Federação se apercebeu de que teria de ter um outro tipo de organização. Antigamente os jogadores que iam lá para dentro de campo representar a seleção nacional tinham de se desenrascar, não havia organização.

Isso explica o porquê de uma geração tão forte como a de Eusébio, Coluna, Hilário só ter ido a uma competição internacional.
Sim, mas o facto de os nossos os melhores jogadores irem para campeonatos de países muito mais fortes do que o nosso também fez evoluir o jogador e o próprio treinador português também evoluiu. Esporadicamente conseguíamos qualquer coisa, como o Euro 1984 ou Mundial 1986, mas apenas episodicamente. Hoje em dia temos uma Federação mais profissional, mais organizada, e aqui há que dar o mérito ao dr. Fernando Gomes, que atualizou a federação apercebendo-se de que os jogadores, por si só, não iriam resolver todos os problemas da seleção nacional. Isto é tudo uma bola de neve. Uma boa organização, bons jogadores e qualidade de trabalho fazem com Portugal marque presença assídua em Europeus e Mundiais.

Seleção nacional, liderada por Mário Coluna, a entrar em campo para o jogo contra a Hungria no Mundial de 1966 foto PA Images via Getty Images

Recuando um pouco aí a 84 e 86, e aproveitando o facto de o Augusto ter participado no Mundial do México, o que é que esses dois grupos tinham que os fez dar o salto e qualificarem-se para as competições?
Às vezes tem muito que ver com gerações. Cada vez que se conseguia ir a um Europeu ou a um Mundial parecia que tínhamos atingido uma coisa extraordinária. Pontualmente isso foi conseguido. A nossa formação também se foi desenvolvendo, com mais contactos internacionais, mais jogos, o que faz com que os jogadores cresçam mais. Repare, eu com 16 anos fiz um ano de juvenil e com 17 fiz um ano como júnior. A partir daí entrei no futebol profissional. A minha base foi um ano de juvenil e um ano de júnior. Hoje em dia, um jogador de 17 ou 18 anos já tem um andamento completamente diferente do que tinha no meu tempo. Hoje dá-se uma ênfase maior à formação, o jogador quando chega a internacional A já passou por várias fases e já tem muitas internacionalizações, a maioria em fases finais de competições de formação, ou seja, existe a evolução natural daquilo que é jogar na seleção. Portugal pecou sempre pela organização da sua Federação, não se pode ter um bom desempenho sem boa organização. No Mundial do México, já estou farto de contar isto, nós tivemos uma organização péssima, daquelas que nem nenhum país do terceiro Mundo teria. Isto reflete bem o pensamento da altura sobre as grandes competições, que eram mais para passear. A experiência de 86 fez reformular aquilo que era o conceito de estar na seleção nacional.

Nessa altura em que Portugal não ia regularmente a competições ligava-se à seleção? Ou o futebol de clubes era privilegiado?
Vou dar-lhe um exemplo: quando fui chamado para a seleção nacional de juniores, o treinador da altura convocou quase 40 jogadores e, a certa altura, começou a perguntar quantos é que eram do Sporting, quantos é que eram do Benfica. Havia muito a base da clubite a mandar nos selecionados. A escolha dos jogadores era muitas vezes forçada pelos clubes, que obrigavam os selecionadores a convocar os seus. Porto, Sporting e Benfica tinham muita força, “mandavam” nas convocatórias. Antigamente também havia grupos, havia a mesa dos do Benfica, a mesa dos do Sporting, por aí. Atualmente já não há uma base do Benfica, Porto ou Sporting, os jogadores estão espalhados por todo o mundo e já não há aquela clubite e rivalidade que havia dentro da seleção e ainda bem que assim é.

Portugal já não falha uma competição desde 2000. Acha provável que, num futuro próximo, aconteça a Portugal aquilo que aconteceu a Itália e falhar dois Mundiais consecutivos, ou aquilo que aconteceu à Holanda e falhar um Europeu e um Mundial de seguida?
Não estou a ver Portugal a não se apurar para um Mundial ou Europeu nos próximos anos. A nossa formação é muito boa, fabricamos sempre muitos e grandes jogadores e provavelmente vamos continuar sempre a ter equipas fortes. Seria natural que num ou noutro ano, por isto ou por aquilo, possamos não conseguir. Mas não coloco a hipótese de uma não qualificação de Portugal para um desses eventos. Olhamos para os sub-17, sub-18, sub-19, e vemos grandes jogadores, vemos que pode haver continuidade e termos sempre grandes jogadores que podem fazer grandes seleções.

Ulf Kirsten celebra o golo contra Portugal que deu o empate à Alemanha na penúltima partida da qualificação para o Mundial de 1998, a última grande competição que Portugal falhou. Este resultado praticamente arredou Portugal da prova foto picture alliance via Getty Images

O Augusto, tendo crescido numa época em que Portugal quase não ia a estas grandes competições, alguma vez esperou que pudéssemos ter uma série de participações como a que vivemos desde o início do século?
Era quase a mesma coisa que nos clubes. Quando o Benfica foi campeão na década de 60 e depois o Porto foi campeão na década de 80, dizíamos ‘e agora, quando é que nós vamos ter outra vez uma final?’. Atualmente, as equipas portuguesas vendem jogadores para outras com maior poderio financeiro noutros campeonatos. É evidente que assim o campeonato fica muito mais reduzido em termos de qualidade e faz com que as equipas portuguesas possam não vir a voltar a uma final tão cedo. Nas seleções as coisas são diferentes. Posso escolher os melhores jogadores, mesmo os que saem do campeonato português. A qualidade está sempre lá, esses jogadores estão a evoluir em grandes campeonatos. Agora temos uma equipa forte. Podes ter jogadores muito bons e não ter uma equipa forte, mas neste caso nós estamos a conseguir ter bons jogadores e equipas fortes. Portugal pode sonhar com algo mais que a mera presença, está tudo na expectativa, já que temos grandes jogadores e uma grande equipa. Há outras seleções muito fortes, mas claramente Portugal começa a ser visto no exterior como uma grande equipa com possibilidades de poder ganhar. Já não somos só nós a dizer isso, os adversários também reconhecem que Portugal pode lá chegar.

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