O Beat na Montanha vai semanalmente ao encontro de dois grupos de reclusos do Estabelecimento Prisional da Guarda e cria uma espécie de bolha na rotina diária.

Os homens reúnem-se na chamada sala da música, adaptada e dotada de instrumentos musicais, onde Guilherme Cardoso está a concretizar um sonho. Aos 63 anos nunca lhe passou pela cabeça que teria na reclusão a oportunidade de participar num projeto musical.

“Sempre tive aquele bichinho pela música, mas nunca surgiu uma oportunidade. Agora, estou a desfrutar daquilo que há muitos anos estava num cantinho”, assinalou, em declarações à agência Lusa.

Para Raul Neto, de 36 anos, o Beat na Montanha foi uma das melhores dádivas, porque nunca teve oportunidade de criar algo e a experiência está a permitir-lhe experimentar novas sensações.

O mais novo do grupo é Igor Francisco, de 24 anos, que espera aprender coisas novas e evoluir: “Na nossa etnia, a música nasce connosco, mas, aqui, estou a aprender muito”.

Nas horas que passa no Beat na Montanha é como se estivesse noutro sítio.

“Esquecemos que estamos presos e faz-me também refletir sobre o erro”, relata.

O projeto permitiu a Rui Sampaio voltar a tocar baixo e o tempo que passa na sala da música ajuda a ultrapassar as dificuldades. “Deixamos a reclusão e envolvemo-nos no que estamos a fazer. A música transporta-nos lá para fora”, constata.

No grupo está também Fernando Félix, de 55 anos, músico com passagem por várias bandas militares e que se reencontrou com a música no Beat na Montanha.

“Voltar à música é magnífico. É algo que infelizmente ficou para trás e que neste momento está outra vez a fazer sentido”, sublinha.

Os ensaios para a apresentação do projeto acontecem também a 14 quilómetros da Guarda, na extensão do Mondego, em Cavadoude, onde são acolhidas apenas mulheres. Aqui, não há uma sala adaptada, mas as vozes e a energia preenchem a divisão. As letras, escritas pelos participantes, falam de amor, saudade, liberdade, sonho, esperança e tempo.

Antonieta Silva, de 41 anos, descobriu que afinal sabe cantar. A música faz parte da sua história, mas foi na cadeia que viu o seu talento reconhecido. Conta que os ensaios lhe tiram algum peso que traz consigo.

“Nós cantamos com alma e quando cantamos parece que aliviamos alma. É muito bom porque esquecemos os nossos problemas”.

Com o Beat na Montanha, o rap passou a fazer parte da história de Ana Cristina, de 41 anos, que sempre gostou de ir a concertos, mas que nunca se imaginou em palco. Será uma experiência para partilhar com a filha de 15 anos a quem escreveu uma carta em 2021 premiada num concurso de escrita criativa lançado no Estabelecimento Prisional.

Maria de Fátima Afonso, de 53 anos, manifesta-se no grupo com uma energia contagiante. “As pessoas de etnia cigana gostam muito de dançar e cantar. Está no nosso ADN”, aponta, com orgulho.

Está entusiasmada com a ideia de subir ao palco do Teatro e conta que a família já está a preparar o vestuário para esse dia.

Aos 73 anos, Isabel de Fátima não se nega a nenhum desafio e diz que por isso lhe chamam “velha gaiteira”. Ao Beat na Montanha nunca falta e já avisou que se, entretanto, sair para casa quer regressar para subir ao palco do Teatro.

Alice Margarida, de 42 anos, aceitou entrar no projeto, avisando que não ia cantar, mas agora canta rap. O projeto trouxe-lhe liberdade para criar e também para pensar. “Quando aqui estamos a nossa cabeça está fora deste gradeamento. A gente voa”, confessa.

Para Maruja Maia, o projeto é “muito estimulante, porque o corpo está preso, mas a mente vagueia”.

Diz sentir que está a fazer uma coisa bem. “Fiz uma coisa má e estou a pagar. Mas ao mesmo tempo estão a dar-me uma oportunidade, posso fazer coisas boas”, aponta Maruja Maia.

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