O relatório do projeto-piloto da semana de quatro dias de trabalho, divulgado esta semana, destaca que são as mulheres as mais beneficiadas e também as que mais valorizam a medida. A CNN Portugal foi ouvir duas mulheres, uma que já usufrui da medida, ainda que em moldes ligeiramente diferentes daqueles em que foi implementado o projeto-piloto, e outra que acredita que beneficiaria muito se pudesse usufruir da medida

Na fotografia aparecem só três, mas Mónica Cerqueira é mãe de cinco filhos. A ginástica diária é grande e o dia começa às 06:00 e termina já a noite vai longa. Mónica, de 38 anos, trabalha numa empresa de gestão de condomínios e o marido trabalha por turnos. Os cinco dias da semana de trabalho, que, quando há assembleias de condomínio dos clientes, se arrastam para as noites também, roubam-lhe tempo para “acompanhar o crescimento dos filhos”. A semana de quatro dias vinha aliviar-lhe a carga, está convencida.

“Permitiria uma melhor gestão familiar, um maior acompanhamento e exigiria muito menos ginástica da minha parte. Até uma coisa básica como marcar uma consulta para eles de forma menos complicada, sem tirar o brio profissional, era mais fácil”, pondera Mónica Cerqueira, em declarações à CNN Portugal.

A saúde mental sairia beneficiada e o sentimento de dever cumprido ao serviço da maternidade também, garante: “Podia organizar determinadas coisas que muitas vezes ficam para o fim de semana e fazem com que não haja descanso e com que, mesmo que queira acompanhar de perto o crescimento dos meus filhos, não consigo.” 

E está convencida que, mesmo trabalhando menos um dia por semana, o seu desempenho profissional teria muito a ganhar se lhe fosse permitido fazer uma semana de trabalho de quatro dias. “O facto de eu conseguir fazer uma melhor gestão entre a vida pessoal e a vida profissional, faz com que esteja mais concentrada e mais focada no trabalho. Tenho a certeza de que seria muito mais eficiente”, diz. 

Mónica é uma das muitas mulheres e mães que enfrentam diariamente as dificuldades de conciliar o trabalho com a maternidade. O relatório do projeto-piloto da semana de quatro dias apresentado esta semana sublinha que as mulheres estão entre os trabalhadores que mais valorizam a medida e que mais beneficiam com ela.

“Sem surpresa, as mulheres valorizam a semana de quatro dias mais do que os homens (32% contra 21%). Foi nas mulheres que observámos maiores efeitos positivos da redução do tempo de trabalho”, pode ler-se no relatório, da autoria de Pedro Gomes e Rita Fontinha.

“As mulheres sentem mais a pressão do tempo, beneficiam mais da semana de quatro dias em termos de saúde mental e satisfação com a vida, e como tal valorizam-na mais. Portanto, nas empresas cuja força de trabalho é maioritariamente feminina, os potenciais benefícios de realizar um teste são, à partida, mais elevados”, justificam os autores. 

O “círculo vicioso”, onde todos saem a ganhar

A psicóloga Liliana Dias, especializada em bem-estar nas organizações, diz que o estudo vem revelar o que é visível a olho nu: “A realidade mostra que as mulheres estão numa grande desigualdade em termos de equilíbrio entre trabalho e família, trabalho e cuidado com filhos ou com outros adultos dependentes.” E “todos os estudos a nível mundial mostram que as mulheres têm mais dificuldades em conciliar a vida profissional com a vida familiar. Este relatório acaba por revelar que quem vai beneficiar mais desta medida é claramente o público que tem mais dificuldade nessa conciliação”, sublinha a especialista.

Em grande parte, por culpa dessa carga, as mulheres fazem parte da “população mais afetada por questões psicológicas”. Por isso, observa a psicóloga, têm muito a ganhar com a implementação de uma semana de quatro dias de trabalho. “Aliviar o tempo investido em contexto de trabalho traz mais satisfação com a vida e com o próprio trabalho. Seria até benéfico ao nível da socialização. Onde é que as pessoas vão gastar essas horas a menos investidas em contexto de trabalho? Na família, nos amigos, no social. Há ganhos nas relações, porque as pessoas se isolam menos”, explica Liliana Dias.

O projeto-piloto, que envolveu 40 empresas, veio mostrar que, de facto, os trabalhadores investem o tempo em si e na família. Ao contrário do que muitos poderiam pensar, o aumento dos chamados biscates para conseguir uma segunda renda não foi significativo. Antes da implementação do projeto-piloto, 15% dos trabalhadores envolvidos tinham uma segunda atividade profissional para aumentar o rendimento. Depois dos seis meses do projeto, essa percentagem aumentou para 17%. 

O ganho, considera Liliana Dias, não é apenas para os trabalhadores, mas também para a saúde das empresas: “Há ganhos não só humanos, mas também financeiros. É um círculo vicioso. Quanto mais disponibilidade emocional tiver, mais qualidade vou investir nas relações com os meus filhos, por exemplo. Quanto mais realizado estiver um trabalhador a nível pessoal e familiar, mais disponível vai estar para investir no trabalho.”

Mas, sublinha a especialista em organizações, as empresas têm um grande trabalho a fazer se quiserem avançar para a implementação da medida: “O relatório mostra que quem não se envolveu a repensar o trabalho não teve os mesmos benefícios humanos e financeiros. Quem deixou de fazer reuniões desnecessárias, quem informatizou os processos, teve maiores benefícios financeiros. A medida só funcionará se a empresa se envolver a repensar o trabalho.” 

“Acabo por ter mais tempo para mim”

Teresa Mendes está a poucos anos da reforma. A técnica de informática da Polícia de Segurança Pública está “há cerca de um ano a fazer a semana de quatro dias”. No caso de Teresa, não houve redução de horário como nas empresas envolvidas no projeto e as 35 horas semanais de trabalho desta funcionária pública foram divididas por quatro dias. Trabalha das 08:00 às 18:00 de segunda a quarta-feira e, à quinta-feira, trabalha das 08:00 às 17:00.

“Chego a casa a uma hora que já não dá para fazer nada, mas a sensação de que a semana é mais curta, é uma boa sensação. Gosto imenso do que faço. Mas, ao fim de 37 anos de serviço, a sensação de que me libertei um bocado daqui… Hoje, por exemplo, é quarta-feira, pensar que só falta mais um dia… eh pá que bom! Então, quando há um feriado à quinta ou à segunda… parece que são umas miniférias”, confessa a técnica de informática, de 63 anos, em declarações à CNN Portugal. 

O dia livre é empregado na sua saúde e bem-estar e no cultivo da relação com o marido, já reformado. À sexta-feira vai ao ginásio e o sábado e o domingo são aproveitados para passear: “Se queremos ir a qualquer lado, temos o fim de semana todo livre para ir para onde quisermos. Eu digo que estou em estágio para a reforma. Já não tenho crianças para ir levar ou buscar, mas tiro muitos benefícios desta medida. Acabo por ter mais tempo para mim. Se tivesse crianças, trabalhar mais uma hora por dia, sem apoio familiar, acredito que seria mais duro”, reconhece.

Um inquérito ao uso do tempo em Portugal, publicado em 2016 e citado no relatório do projeto-piloto da semana de quatro dias, revelou que “55% das mulheres entre os 25 e 44 anos consideravam não ter tempo suficiente para fazer tudo o que queriam no dia a dia, enquanto apenas 44% dos homens com a mesma idade declaravam o mesmo”.

“A razão é simples: a juntar às horas no emprego, as mulheres acumulam horas de trabalho não pago. Segundo este inquérito, as mulheres portuguesas trabalham mais uma hora por dia do que os homens em atividades domésticas como limpar a casa, fazer as compras, tratar da roupa ou preparar as refeições, e é nelas que recai ainda a responsabilidade de ocupar-se dos filhos e cuidar dos pais”, escrevem Pedro Gomes e Rita Fontinhas.

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