“Só tenho três fotografias a cores até aos 8 anos, porque o meu pai só gostava de tirar fotos a preto e branco. Quando o meu padrasto entrou na nossa vida é que começámos a ter fotos a cores”, afirma, a sorrir, João Coutinho numa conversa em que acaba por revelar vários detalhes da sua infância, nos anos 70 e 80, no Porto.

Hoje é um dos mais distinguidos criativos portugueses, com mais de 25 anos de carreira, em Portugal, Espanha, Brasil e Estados Unidos.

Matilde Fieschi

Matilde Fieschi

A casa onde nasceu, perto da rotunda da Boavista, já não existe, mas João guarda muitas memórias: “Era uma casa com quatro andares, nós vivíamos no andar de cima, os meus tios noutro andar e a minha avó e as tias, uma grande comunidade com jardim, era muito giro. Depois os meus pais separaram-se e fomos para a Pasteleira, um bairro perto da Foz, e eu fui para a escola pública, na Pasteleira, com uma mistura experimental dos anos 80, de várias classes, miúdos pobres e ricos. Os meus pais eram de famílias antigas do Porto, mais de direita e conservadoras, e casaram às escondidas, eram rebeldes e comunistas.”

João lembra-se das discussões políticas com os pais e de falarem sobre a ditadura e o atraso do país. “A escola pública foi importante para mim e os amigos que ainda hoje tenho vieram desse tempo”, diz.

O criativo ainda quis ser arquitecto, mas acabou por se licenciar em publicidade. Montou uma agência com uns amigos e, nos primeiros tempos, o principal cliente era a discoteca Indústria, no Porto, para onde faziam flyers e cartazes.

Matilde Fieschi

João Pedro Morais

Há três anos, nos Estados Unidos, cofundou a Atlantic, uma agência criativa. Trabalhou para clientes como a Yahoo, Twitter, Amazon Prime ou TikTok.

Foi várias vezes premiado e eleito um dos 10 melhores diretores de arte do mundo.

“Vejo muitas pessoas aqui a queixarem-se da política, mas é só porque não vivem nos Estados Unidos e não sabem o que é a bipolarização a sério. Conflitos, tensão racial, de género, todo o tipo de tensão sente-se na rua”, afirma João Coutinho, que acha “assustador o que está a acontecer em França”.

“Nova Iorque é a cidade mais diversa do mundo, mas os migrantes andam pelas ruas perdidos. Isto é uma coisa que se tem agravado no último ano e ninguém está a tratar deles. Começa a haver xenofobia até em Nova Iorque, onde antes não havia. Aqui em Portugal vês também imensas demonstrações de xenofobia contra os indianos e pessoas do Bangladesh. Vês que Trump em 2016 realmente mudou o mundo”, remata.

Matilde Fieschi

O criativo portuense vive há 10 anos em Nova Iorque, mas antes passou quase três anos em São Paulo e, entre 1999 e 2002, esteve em Madrid – “no tempo de Aznar [ex-primeiro ministro espanhol], quando a Espanha estava a bombar na América Latina”.

“Não sou de todo defensor do saudosismo ‘Portugal antigamente é que era’. O ano passado morei 10 meses em Lisboa e muita gente dizia ‘Lisboa está muito diferente’. Eu acho que está, mas há coisas boas e coisas más. No geral está muito melhor e as pessoas têm de ter a mente aberta para isso”, afirma.

Álvaro Covões

Rita Carmo

“Portugal é um país incrível, mesmo incrível. A parte pior são os salários, que não evoluíram. São muito, muito maus. Acho que ainda estamos no tempo dos ‘doutores e engenheiros’, tem a ver com uma classe empresarial tacanha, pequenina, de um antigamente em que não havia muitos doutores nem engenheiros, só dois ou três”, diz o diretor de Arte.

“Portugal está super na moda nos Estados Unidos e conheço vários americanos ligados à publicidade e à arte que moram em Lisboa. Falam das praias, da comida e do vinho verde. Toda a gente vê o país como um país super seguro, pessoas super simpáticas, lugares lindos e históricos, quase como uma pérola por descobrir”.

Matilde Fieschi

“Já tive campanhas de publicidade que falharam, mas boas também. Fiz parte da equipa que lançou o Euromilhões em Portugal há 20 anos, fomos nós que criámos o conceito ‘A criar excêntricos todas as semanas’ e continuam a usá-lo. No Brasil, em 2012, fiz uma campanha de doação de orgãos no Nordeste a apelar ao futebol. Dissemos ‘ o teu coração e os teus orgãos vão continuar a bater pelo teu clube mesmo depois de morreres’ e teve uma adesão enorme, aumentou o nº de dadores. Há pouco tempo convidaram-me para falar sobre isso em Boston para 4 mil pessoas, 12 anos depois, foi muito engraçado.”

Neste momento a agência de João Coutinho tem como cliente o TikTok e adora. “Eu já gostava do TikTok antes de trabalhar com eles, mas adoramos trabalhar, são clientes cinco estrelas, verdadeiros parceiros”.

Paulo Alves

Geração 70 não é um podcast de política ou de economia, nem de artes ou ciência. É uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam. Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão

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