ANÁLISE || Portugal venceu por 3-0 a seleção que derrotou por 2-1 a seleção que venceu o grupo da França, é por isso mesmo que a derrota da Áustria contra a Turquia é bastante valiosa para nos prepararmos para o Portugal-França desta sexta-feira

Isto é importante para Portugal, vejam:

Turquia 61-28 Geórgia
Turquia 43-39 Portugal
Chéquia 34-50 Turquia
Áustria 82-21 Turquia

São números dos quatro jogos que a Turquia fez, os números de ataques de cada equipa. Viram?

A Turquia atacou mais que todos os adversários que apanhou antes da Áustria e isso inclui o jogo com Portugal, tivemos 39 ataques e os turcos 43, e no dia em que a Turquia descaracterizou a maneira como ataca, no dia em que a Turquia escolheu ser feia venceu uma das equipas mais bonitas deste Euro: a Áustria esmagou os turcos com 82 ataques contra 21, nisso é dos jogos mais desequilibrados do torneio, rematou 21 vezes contra seis, teve 57% de posse e o único golo veio pela via da bola parada porque as outras vias estavam todas fechadas por Gunok, guarda-redes turco que fez uma Diogo Costice aos 94 minutos num ato monumental que evitou o 2-2. São muitos números para um só parágrafo mas são números úteis que geram outros números importantes: com o 3-0 que levou de Portugal, a Turquia aprendeu que ou finge que é grande e é derrubada por uma sova ou assume que é mais pequena e aguenta com uma sova – a Turquia foi bastante esmurrada pela Áustria mas aguentou 20 dos 21 murros-remates que levou, continuou em pé mesmo quando Gregoritsch reduziu para 1-2; contra Portugal a Turquia foi ao chão com três dos 12 murros que apanhou, foi portanto menos agredida do que contra a Áustria mas doeu mais – e Vincenzo Montella, o italiano que treina os turcos, inscreveu subitamente todos os jogadores no ginásio do catenaccio, os turcos ganharam músculo tático e aplicaram golpes cínicos nos austríacos depois de terem tentado bater em Portugal quando estavam demasiado magros para a ambição que tinham.

Tudo isso diz-nos várias coisas sobre a Áustria, sobre a Turquia, sobre Portugal, diz-nos cinco coisas ora só interessantes ora muito relevantes:

coisa 1 • a Áustria teve mais posse contra a Turquia do que Portugal, a Áustria fez mais remates e muito mais ataques do que nós, foi muito melhor que Portugal nas estatísticas e muito pior no resultado e com isso percebemos que esmagar nem sempre é o caminho mais apropriado para a vitória, por vezes é apenas o caminho mais adornado para o precipício;

coisa 2 • a Turquia percebeu que não era do tamanho da Áustria depois de ter pensado que podia olhar Portugal de frente, a Turquia mediu bem a altura das suas possibilidades contra a Áustria e jogou com olhos na realidade em vez de olhos nos olhos, respeitou mais os austríacos do que os portugueses – não sabemos se esse maior respeito pela Áustria foi respeito genuíno ou respeito por obrigação, não sabemos se a Turquia iria respeitar mais Portugal e menos a Áustria se fôssemos nós o adversário nos oitavos depois de a Áustria lhes ter dado 3-0 na fase de grupos, não sabemos nada disso mas sabemos que neste Europeu não basta ser mais forte nem mais bonito, é preciso ser mais inteligente e às vezes feio (isso Portugal sabe ser);

coisa 3 • Portugal tem pedaços da potência estatística austríaca – somos a seleção com mais posse em todo o Euro, a segunda que recupera mais bolas (a primeira é… a Áustria), somos a seleção com mais ataques e mais cantos e mais dribles, a segunda com mais remates, somos aparentemente magníficos mas depois temos tantos golos como a Geórgia (a equipa mais fraca dos oitavos de final) e só mais um que a Roménia (a segunda mais fraca);

coisa 4 • Portugal não tem pedaços da inteligência turca – os erros que cometemos contra a Chéquia repetiram-se/acentuaram-se contra a Eslovénia, Roberto Martínez insiste em colocar os jogadores em posições que não são as deles  (Francisco Conceição e Nélson Semedo são apenas os casos mais recente), Roberto Martínez continua a substituir mais em função do estatuto dos jogadores do que em função do rendimento deles (o caso mais alucinante é tirar Vitinha devido à relva estar má porque para o Bernardo devia estar boa e para o Ronaldo ótima);

coisa 5 • Portugal também não tem o laboratório turco – a Turquia teve quatro cantos contra a Áustria e fez dois golos com eles, é assim que se vencem jogos apertados, Portugal leva 36 cantos no Euro e fez muito pouco ou nada deles, é também por isso que andamos com resultados sufocantes.

A boa notícia é que Portugal vale estatisticamente mais do que os resultados dizem – uma vitória triste (Chéquia), uma vitória alegre (Turquia), uma derrota melancólica (Geórgia) e um empate feliz (Eslovénia) são muito pouco para a equipa do Euro que tem mais posse, mais ataques, mais cantos, mais dribles – mas Portugal também é mais frágil precisamente por desperdiçar tanta posse e tanto ataque e tanto canto e tanto drible em resultados esquisitos e num futebol doente. Mas há uma boa nova: França também não tem jogado futebol saudável – e neste caso não temos de ficar juntos na saúde e na doença, podemos deixar os franceses na pobreza da eliminação e a nós na riqueza das meias-finais, Portugal tem futebol para isso – mostrou-o foi pouco neste Euro, esta sexta-feira é um bom dia para mostrá-lo todo.

Compartilhar

Leave A Reply

Exit mobile version